quarta-feira, 28 de maio de 2008

Amarílis


Pensa em Xerxes: 300 chibatadas no oceano. E sua consciência nau-fraga. Sabe que tudo é traiado e urdido entre o verdadeiro e o falso, sem nunca os alcançar. Por isso, é quase Éden. Adão culpabiliza Eva, e Eva a serpente. Uma só tormenta: o exército de Xerxes derrotado. Há que desalojar do azul uma tristeza. E atribuir o gozo à falta. Essa fenda por onde se estica o desejo, como se as mãos escorregando na tarde retessem nuvens. Para inalcançar, cresce. Alarga o arco-íris, e se faz corpo-flecha. Tem um alvo disfarçado em galáxia. Um Girassol enfeita os anéis de Saturno. E ela escreve nas costa da noite com açucenas. Essa flor-surpresa, no estio, tem vida fecunda só dentro. Fora, há quem pense que a vida lhe escapou. Ressequida. Mas quando cala, a palavra está em primavera. E um beija-flor encontra mel em seus olhos. Por isso, sua escrita gorjeia. Dor e culpa tecem um casulo-abrigo, onde ela se aguarda em invernos. Erra os passos para se estranhar. Quer se desconhecer até o ponto de saber-fazer-se pelos descaminhos. E amor, esse precisa ter os olhos pousados sobre suas demências, para ser, enquanto um coração recita: 'o escuro me ilumina', e Manoel de Barros sorri, brejeiro. Ela, flor-de-lótus. Sete vezes ao dia enlouquece, por perfeição. Escuta o gemido do mar guardado nas reentrâncias das conchas. Tem uma árvore da vida no centro da sala. Usa a costela de Adão para extrair látex. Apaga a própria história para ler as marcas. Hoje, pensa em Xerxes. E no que haveria pensado o soldado ao executar a sentença.300 chibatadas. E se 300 caracteres lhe bastariam. Escreve. Xerxes rouco. As palavras talham o branco do papel. Apaga a luz. No papel sem pautas uma centelha de vida se faz seiva nos veios das letras. Escuta, sua voz tem demografia de Bonsai. O seu ser tem o silêncio por caule. Ela rouca de nada dizer. Datilógrafa seu último grito. Seu ponto final: si, sustenido. As reticências, carrega feito sísifo. E por isso, Xerxes nem é tão louco assim. Entendes?

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Das coisas.


Depende do dia.
Gosto de decoração.
Mexo muito no cabelo.
Odeio andar de ônibus.
Tenho muito bom gosto para comida. Mais do que eu gostaria.
Adoro cavalos. Morro de medo deles.
Não entendo como os homens acham a gente sexy calça de moleton e blusinha de dormir.
Reclamo muito.
Queria estudar Mitologia Grega.
Acho aquele menino lindo quando veste camiseta branca. E vermelhas. E azuis. Ah... acho lindo sempre.
Gosto de rímel. Mas nunca achei um decente. E que dure mais de dois meses.
Adoro vidros. Não importa o que tem dentro. Pode ser até água colorida.
Adoro blusas pretas.
Adoro praia. Mas areia é de muito mal gosto.
Queria muito estudar Inglês também, mas não consigo.
O ponto é a terceira tequila.
Faço manha.
Todo dia me acho gorda.
Um dos sons que eu mais gosto é aquele “rom rom” que os gatos fazem.
Não sou distraída, mas às vezes saio do mundo.
Queria saber cantar.
Às vezes tomo água pra disfarçar a fome.
Extremamente sincera. Grosseira às vezes.
Prefiro o Ano Novo ao Natal.
Nem sempre sorrio quando estou feliz.
Nem sempre estou feliz quando sorrio.

A menina dança.

Os acordes passeiam pela pele e ela segue o compasso. O ritmo é do coração, que tiquetaqueia acelerado. Os passos dele são o seu guia, o seu norte. Ele sente, mas não pressente o alvoroço que virá nos minutos seguintes, nas horas seguintes, nos dias de depois. Ri, como quem desespera. Um choro ao revés. De quem sabe que o começo já é o fim. Porque não haverá outra canção. Não pra eles dois.

sábado, 10 de maio de 2008

A valsa da vida



Se soubesse da estranheza do mundo como tanto me falava e só agora depois das muitas quedas fui descobrir, não teria saído daquele canto quentinho que estava.
Queimas meus textos escritos tão rapidamente e errantes só pra não me ferir nos galhos secos da grande selva-vida dizendo que, antes ouvir era bem melhor pra não errar duas vezes.
Em vão. És aquela que me encontrou despida de armas e na sua gigantesca fragilidade me estende sempre a mão, por que ela consegue ser elástica e heróica num simples sim, que na verdade, é um não interno e dolorido. Sem desapontar vê crescer e de longe assiste ao filme da vida, do qual sempre tem participação, especial.
Tantas e tantas vezes caminhamos chorando num sorriso, tecendo suas palavras que teimava em não entender e me cortava, em pedaços.
Depois de desdobrar fibra por fibra o coração, atravessar noites escuras, o corpo cansado, da resposta atravessada, depois de libertar-se de si mesma, ensina que ter problemas na vida não significa ter vida infeliz e que é possível vencer muitas batalhas pondo os joelhos no chão e a vida nas mãos de Deus, engrandecendo sempre a minha fé. Em sorrisos e suores.
Cante pra mim sempre a dança da vida, me ensina voar sem ter medo, igual quando segurava na minha mão ensinando andar. Desde então eu sorrio mais, leio livros, converso mais com crianças e falo mais de amor. Só assim eu dou rodopios na valsa,
na valsa da vida

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pras mães.todas

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Nós por cima. Nós por baixo.

Elas foram surgindo aos poucos. Uma a uma. Flores no meu jardim. Enchendo os meus dias com o seu sol, o seu sal. Com o fio das palavras, teceram um bordado delicado, cujo desenho não consigo ver daqui. De dentro. Porque nessa ciranda, danço com elas. Faço parte. Empresto as minhas cores pra enfeitar os seus cabelos, que são meus. Trançados. Traçados. O destino brinca com as rosas dos ventos. Nos deixamos levar. E levamos. Uma mão na outra. Sem soltar. Saltamos.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Movement

Acende velas e dança. O corpo só conhece o ritmo indiano: o coração é quem marca o tempo. Vontade faz as vezes de compasso e a alma gira. Quando criança fazia o balanço ganhar altura para alcançar estrelas. Por isso, hoje rodopia enquanto canta. E acredita que as notas mais altas são capazes de balançar o coração de Deus. E que as mais baixas fazem com que ele se incline suave só para escutar. Quando se sente só, canta baixinho. Até encontrar um sorriso num gorjeio de passarinho. Sua alegria é feita de grãos. Quando a felicidade lhe varandeia os olhos, contagia. A saudade sempre lhe chega num pé de vento. E ela suspira. Há de ter um lírio azul tatuado nas costas. Tem uma flor geminando na alma. Quando expira, polén. Sabe adornar um vazio: esse poço antigo enlaçado de flores. Amarelas. Onde se mata a sede. Na mão aperta, com fé, uma estrela cadente: essa possibilidade. Risca no ar um desejo enquanto se desfaz. Poeira lunar nos pés. Raio de sol para fisgar novo dia. E um sopro suave para mudar o ar dessa noite. Tira o laço vermelho que lhe apertava o peito, amarra nas bordas do dia. A barra da saia pespontada de horizontes. O pensamento branco, branco. Azul. Amarelo. Verde.Uma paz inquieta. As unhas vermelhas e os cabelos escoando o orvalho desse novo dia. No céu, nuvens de filó. E a terra gira azul, azul, feito saia. Sorri, o mundo dança.

Filó

Filó gostava de flores. No jardim cuidava das petúnias, violetas, rosas e tulipas. A menina Filó era uma graça quando esquecia da cidade e rodopiava cantarolando bobamente. Quase num vôo. Quase num samba.

Filó pulou corda aos sete anos. Brincou de amarelinha na calçada da frente, queimou-se na boca do fogão, quebrou o jarro de flores de sua mãe e chorou quando o braço de sua boneca Alice quebrou.

Disfarçava, num meio olhar, suas vontades de abraço. E corria pra perto de Adalberto quando sentia ausência. Afinal, se for pra desesperar, que fosse perto do melhor amigo. Tinha vez que fugia de afetos. Ninguém entendia. Era toda envergonhada, ela. Tinha vez que queria abraçar, mas nem parecia que tinha dois braços quando. Tinha vez que ela queria falar e nem.

Filó era feita de sorrisos, amoras, segredos e alguns silêncios súbitos diários. Quando ficava tristonha, vestia a saia mais colorida, botava um sorriso gigante no rosto e ia por aí, pelo mundo.

sábado, 3 de maio de 2008

Passou

A pedidos do coração, voltei aquele lugar onde mora o passado, vizinho das más lembranças. Fiquei ali, sentada num banco, olhando pro nada, na mão, apertava a estrela que ganhei da vó e me serve de proteção, amuleto. Fazia um ventinho bom às vezes, dava sensação que era bom estar lá, o ventinho passava, e a sensação boa ia embora, com ele. As folhas das árvores nem balançavam mais, meus sentidos foram todos ilusão, uma ilusão que agradava e eu ouvia... Deus, como é difícil me libertar desse lugar, já me despedi tantas vezes... Falei com uns vizinhos e depois tive a clareza da imperfeição no mundo. Meu amuleto me trazia pro presente. Engraçado, como é original as pessoas errarem, daqueles erros que me faz apertar o amuleto bem forte por várias noites, até cansar e dormir. Se não houvesse imperfeição, havia uma coisa a menos. E como tem gente que torna o mundo mais leve, capaz de trazer ventos bons muitas horas no dia me faz sentir de novo, foi só um dia que passou

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E por aqui.

Que eu continue rindo de mim mesma. Que sempre que eu ligar o rádio esteja tocando Los Hermanos, ou Ludov. Que eu perdoe. Que nadar me livre do stress do corpo e da mente. Que o sorriso daquele menino sempre ilumine o meu dia. Que a minha Concha-Casulo nunca deixe de existir. Que cada vez que eu sair dela, saia melhor do que entrei. Que eu consiga dormir menos de dia, e mais durante a noite. Que os olhares façam sempre toda a diferença. Que eu me encontre. Que eu tenha paciência com meus pais. Que eles tenham paciência comigo. Que as pessoas que eu realmente quero bem não me esqueçam, ainda que eu fique longe por um tempo. Que um café, ou um chocolate quente sempre melhore os dias frios. Que as pessoas queridas sempre me emprestem cores, para os dias cinzas. Que quando eu acordar de mau humor, uma blusa vermelha e um óculos escuro resolvam. Que as palavras brotem para fluir minha represa de sentimentos. Que eu não desista. Que eu desconfie menos, mas não deixe de.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Esperancices.

Que as borboletas sejam azuis. Que o sol vá sempre comigo no bolso. Que Tita nunca deixe de chorar lágrimas de chocolate ao cortar cebola. Que as pessoas tenham humores interessantes. Que eu nunca tenha medo de tirar com as mãos as ervas daninhas e pragas das hortas. Que eu siga duvidando. Que eu siga colorindo. Que eu siga aromatizando. Que eu saiba ferver água com perfeição. Que eu não tenha medo do amor. Que eu preserve o gosto pelas coisas mais simples do dia-a-dia. Que a poesia nunca morra dentro de mim, por mais que a esperança esteja por um fio. Que pequenos gestos façam, para sempre, toda a diferença. Que os meus medos não me consumam. Que os valores sempre se renovem. Que a essência nunca morra. Que eu siga gostando de sentir os meus pés tocando as nuvens e, por hora, o chão. Que eu seja sempre despida de protocolos. Que eu nunca deixe de cultivar o meu jardim. Que as minhas flores nunca murchem. Que eu nunca deixe de sentir paz ao olhar o horizonte. Que as músicas continuem sendo perfumadas. Que as crianças continuem sendo espontâneas. Que eu nunca deixe de transbordar ao ler Clarice Lispector transbordando. Que as estrelas sempre apareçam para mim. Que eu possa espalhar algum pozinho de pirlimplimplim por ai. Que eu consiga manter a espinha ereta. Que eu consiga erguer novamente os meus castelos. Que eu nunca deixe de sonhar. Que as amoras nunca me deixem.